Prazo para o consumidor retirar o produto para conserto: res derelicta?

Por: Plínio Lacerda Martins
O abandono de bens em serviços de assistência técnica sobrecarrega as oficinas de reparo, em especial os pequenos empreendedores, considerando que a ocupação dos espaços comerciais para guarda de bens não retirados embaraça a atividade comercial, conferindo custos com o armazenamento e manutenção.
quarta-feira, 24 de janeiro de 2018
Tramita na Câmara dos Deputados, projeto de lei que objetiva estabelecer prazo para a retirada pelo proprietário, de equipamento eletrônico entregue aos prestadores de serviços de assistências técnicas. Registra o PL como justificativa, que o abandono de bens em serviços de assistência técnica sobrecarrega as oficinas de reparo, em especial os pequenos empreendedores, considerando que a ocupação dos espaços comerciais para guarda de bens não retirados embaraça a atividade comercial, conferindo custos com o armazenamento e manutenção.
O PL 4668/16 estabelece o prazo de 60 dias para a retirada pelo proprietário, de equipamento eletrônico deixado na assistência técnica para conserto.1O PL 4668/16 recebeu proposta de texto substitutivo da Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara dos Deputados ampliando o prazo para 180 dias. 2
Além do prazo, o PL impõe ao fornecedor do serviço de assistência técnica a obrigação de fazer contato com o consumidor, comunicando a realização do conserto ou de sua impossibilidade, iniciando o prazo a partir da comunicação.
O PL deixa transparecer a obrigação da Assistência técnica em fornecer termo do qual conste a informação sobre as consequências da não retirada do bem dentro do prazo.
A imposição de obrigação para o prestador de serviço constar informação sobre as consequências da não retirada do bem no prazo, data venia, não apresenta qualquer inovação, considerando que as assistências técnicas já registram no termo de orçamento que a não retirada do bem no prazo de 90 dias será considerado como abandono!
Já tive oportunidade de redigir artigo a respeito do tema sob o título: Conserto de produtos: perda da posse / propriedadade do produto pelo abandono. Prática comercial abusiva, retratando a abusividade na apropriação do produto deixado para conserto. 3
Retratei no artigo citado, que o consumidor procura o serviço especializado deixando o produto para fazer um orçamento. Recebe do fornecedor de serviço um "icket"ou expediente semelhante que estabelece as características do produto depositado e a data que o consumidor poderá voltar para tomar ciência do orçamento. Na data marcada, o consumidor possui a opção de contratar o serviço ou de retirar o produto, na hipótese de não concordar com o preço orçado.
Destaca-se no "ticket" do rodapé da nota de orçamento prévio cláusula que diz: "Se o consumidor não retirar o produto no prazo de 90 dias após a data marcada, o consumidor perderá a propriedade do produto depositado, podendo ser vendido como forma de pagamento pelo serviço autorizado" (destacamos). 4
O esquecimento ou atraso para a retirada do produto deixado para conserto não pode ser reconhecido como abandono. O abandono traduz na intenção do proprietário do bem em desfazer do mesmo, logo, deve haver a cientificação e manifestação do consumidor, não podendo ser reconhecido o abandono por presunção ou mesmo por descuido.
Constata-se que o consumidor na Sociedade contemporânea possui múltiplas atividades, somadas ainda as reclamações contra fornecedores que exigem tempo de espera em telefones, sites, etc, para reclamar de produtos e serviços com vícios de qualidade, que pode induzir o consumidor ao esquecimento.
Anthony Giddens elucida que com o advento da modernidade reflexiva ou pós-modernidade, a reflexividade assume um caráter diferente, com a rotina da vida cotidiana, não tendo nenhuma conexão intrínseca com o passado. A reflexibilidade da vida social moderna consiste assim no fato de que as práticas sociais são constantemente examinadas e reformadas a luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, podendo ser alteradas a luz de descobertas sucessivas que passam a informá-las.5
Diariamente os Procons registram reclamações contra os fornecedores de serviços de assistência técnica (como os serviços de consertos de TV, telefone, computador, eletrodoméstico em geral etc.) pelo fato da apropriação do produto depositado para o conserto, chegando a vendê-lo em determinados casos, ao argumento que o consumidor deixou ultrapassar o prazo de tolerância do produto no estabelecimento do fornecedor.
Reclamações como essas não são raras nos Procons, citando, a título de exemplo, o caso do consumidor que deixou um aparelho de celular para conserto numa assistência técnica e, após 4 meses, compareceu à loja e foi informado que em razão do lapso temporal o celular foi para a sucata, não sendo possível restituir o aparelho. O consumidor justificou o atraso para apanhar o celular, pois as inúmeras atividades desenvolvidas não possibilitaram o comparecimento. Outros justificam a demora em razão da necessidade de juntar dinheiro para o pagamento do conserto. E agora? Quem vai pagar pela perda da propriedade do produto? O fato de o consumidor não comparecer no prazo autoriza o fornecedor a vender coisa alheia como se a coisa fosse abandonada? O consumidor alega que não foi notificado pelo fornecedor do produto para a retirada com a sanção da perda da propriedade, constando apenas uma informação no "ticket" do rodapé.
Trata-se de autêntica prática comercial abusiva veiculada livremente no mercado de consumo, sob a aparência de cláusula legal, quando na verdade trata-se de uma cláusula ágrafa, que o Código de Proteção ao Consumidor proíbe. A cláusula ágrafa é a cláusula não escrita, ou que não pode ser escrita, contrariando a lei do consumidor, sendo, portanto nula de pleno direito.
O art. 51, Inciso IV do Código de Defesa do Consumidor estabelece como nula de pleno direito a cláusula contratual que seja incompatível com a boa-fé do consumidor, como por exemplo, a cláusula prevista em recibos ou mesmo orçamentos de assistências técnicas com previsão de perda do produto pelo abandono, sem a notificação do consumidor.
Na realidade, o fato de o consumidor não comparecer na data designada para apanhar o produto deixado para o conserto, não pode ser considerado como abandono, ou conforme a máxima romana: "ES DERELICTA"
A perda da coisa, nos termos do art. 1.275 do Código Civil pode dar-se por alienação (venda ou doação), renúncia, perecimento da coisa, desapropriação ou abandono. Para ocorrer o abandono é necessário que o titular (dono da coisa) venha a abrir mão de seu direito de propriedade, ou seja; tenha a vontade de abandonar a coisa, não podendo ocorrer o abandono implícito. Esquecimentos por parte do consumidor são comuns numa sociedade de consumo, não sendo possível aplicar a sanção pela perda da propriedade do produto, passando ao domínio do fornecedor de serviço.
Contudo o projeto apresenta uma inovação em prol do consumidor. A novidade da proposta legislativa incide na imposição ao fornecedor da obrigação de notificar o consumidor em decorrência das inúmeras atividades do consumidor na sociedade contemporânea.
Dispõe o PL:
Art. 1º. O proprietário de equipamento eletrônico, que o entregou a um prestador de serviço de assistência técnica para conserto, obrigasse a retirar o bem no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data do contato do estabelecimento comunicando a realização do conserto ou de sua impossibilidade. (grifamos).
Assim, o abandono sugerido pelo projeto, não incide somente pelo prazo fixado pelo fornecedor em "tickets", fato esse fornecidos geralmente por assistências técnicas, mas também, do contato do estabelecimento, que pode ser por email, WhatsApp, ou outra forma hábil que comprove que o consumidor realmente demonstrou após notificado o desinteresse pelo produto em conserto.
O texto legislativo estabelece que o prazo começa a contar da data do contato do estabelecimento com o consumidor, comunicando a realização do conserto ou de sua impossibilidade (notificação essa sugerida seja por escrito, para comprovação). Após o decurso do prazo sobre a realização do reparo ou a sua impossibilidade e, caso o consumidor não efetue a retirada, o estabelecimento prestador de serviço ficaria autorizado a alienar o bem ou destina-lo a sucata.
Atualmente o PL está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).6
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1 O PL 4668/16 dispõe: Art. 1º. O proprietário de equipamento eletrônico, que o entregou a um prestador de serviço de assistência técnica para conserto, obrigasse a retirar o bem no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data do contato do estabelecimento comunicando a realização do conserto ou de sua impossibilidade.
Art. 2º Não ocorrendo a retirada do equipamento no prazo fixado pela presente lei, fica o estabelecimento prestador de serviço autorizado a alienar o bem ou utiliza-lo como sucata.
2Texto substitutivo apresentado pelo deputado Rodrigo Martins (PSB-PI) aos projetos de lei 4668/16, do deputado Francisco Floriano (DEM-RJ), e 4920/16, do deputado Heitor Schuch (PSB-RS).
3 MARTINS, Plinio Lacerda. Conserto de produtos: perda da posse/propriedadade do produto pelo abandono. Prática comercial abusiva. Publicado na Revista MPMG Jurídico. Ano III – out/nov/dez de 2007.Belo Horizonte: CEAF.2007, p.29-30.
4MARTINS, Plínio Lacerda. Op cit. p. 29.
5GIDDENS, Anthony, BECK, Urich, LASH, Scott. Trad. Magda Lopes. Modernização reflexiva. São Paulo: Editora Unesp, 2012.
6Disponível em: < Projetos de Lei e Outras Proposições> Acesso em 07 jan. 2018.
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*Plinio Lacerda Martins é doutor em Direito pela UFF, mestre em Direito pela UGF, Diretor do Brasilcon de Apoio ao MP, professor de Direito do Consumidor da UFF e FGV. Presidente da MPCON (2014 – 2016), promotor de Justiça Aposentado.
Fonte: Migalhas

ÁREA PROMOCIONAL

PARTE DA LEI FEDERAL QUE REGULAMENTA O JORNALISTA NÃO FORMADO

4. ÂMBITO DE PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE EXERCÍCIO PROFISSIONAL (ART.
5°, INCISO XIII, DA CONSTITUIÇÃO). IDENTIFICAÇÃO DAS RESTRIÇÕES E
CONFORMAÇÕES LEGAIS CONSTITUCIONALMENTE PERMITIDAS. RESERVA LEGAL
QUALIFICADA. PROPORCIONALIDADE. A Constituição de 1988, ao
assegurar a liberdade profissional (art. 5
o
, XIII), segue um
modelo de reserva legal qualificada presente nas Constituições
anteriores, as quais prescreviam à lei a definição das "condições
de capacidade" como condicionantes para o exercício profissional.
No âmbito do modelo de reserva legal qualificada presente na
formulação do art. 5
o
, XIII, da Constituição de 1988, paira uma
imanente questão constitucional quanto à razoabilidade e
proporcionalidade das leis restritivas, especificamente, das leis
que disciplinam as qualificações profissionais como condicionantes
do livre exercício das profissões. Jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal: Representação n.° 930, Redator p/ o acórdão
Ministro Rodrigues Alckmin, DJ, 2-9-1977. A reserva legal
estabelecida pelo art. 5
o
, XIII, não confere ao legislador o poder
de restringir o exercício da liberdade profissional a ponto de
atingir o seu próprio núcleo essencial.
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